quarta-feira, março 29, 2006

Amantes imediatos


H - Sei que seremos futuros amantes...
M - Como podes ter tanta certeza?
H - Porque a necessidade aguça o engenho...
M - Há muito que há lapiseiras baratas no mercado...
H - Porque não confias no futuro?
M - Porque a esperança foi a pior das maldades libertadas.
H - Como consegues acordar no dia seguinte?
M - Porque esqueço-me sempre de viver um pouco mais.
H - Que queres dizer? Que viver é um exercício de morte?

M - Cala-te e beija-me!





extracto do diário íntimo de um fauno desconhecido

segunda-feira, março 27, 2006

Construção do amor

O amor construído não existe, porque as estruturas não têm conteúdo, são ocas de ferro e sonho.

extracto do diário íntimo de um fauno desconhecido

sexta-feira, março 24, 2006


H - A menina dança ou é contemporânea?
M - Danço na curva do tempo...
H - E há espaço para tal?
M - Depende da proximidade...
H - A cumplicidade conta?
M - Por vezes... outras só atrapalha...

extracto do diário íntimo de um fauno desconhecido


sexta-feira, março 10, 2006

Formalidades...



Deixa-me ser teu amante... pedia o pretendente.

A mulher hesitava ... mas não dizia que não. Os cumprimentos eram dados no canto da boca, existiam como ser que vivia dos olhares dos dois, nos silêncios espessos que se construíam ano após ano, numa intensidade imensa.

O chá era o convite dos dois... vamos tomar o nosso chá? era o pretexto de sempre, os olhares testando os limites comunicativos do corpo, como se este fosse feito para estar calado perante o belo ou o prazer.

Deixa-me ser o teu amante... repetia o pretendente.

A mulher hesitava... mas não dizia que não. Os outros dias eram vividos com outras mulheres, os espaços eram sempre plenos de pequenas esperanças, várias possibilidades, mas recorrentemente as vãs tranças que acompanham o defenestrar daquele olhar feminino fugidio para um vazio, no enfiamento de um rumo sem meta prevista, traçavam esses mesmos espaços... Ele esperava uma nova cumplicidade e nada ardia nesse sentido... Chá? sim, pois claro... um dia feliz.

Deixa-me ser o teu amante... sussurrava o pretendente.

A mulher sorria... mas não dizia que não. Os silêncios espessos apareciam logo ali, no fim dos sorrisos... os olhares penetravam-se fundos, os corpos de ambos falavam-se, por entre a neblina do chá, pelas mãos dadas, pelo beijo não dado... “a liberdade é uma maluca que sabe quanto vale um beijo” ... ambos sabiam que se iriam defenestrar nesse momento de dádiva. Seria o medo do principio do fim da cumplicidade?

Deixa-me ser o teu amante... ela não dizia não. Apenas deixava-se estar junto da mão que cúmplice ajudava a atravessar dias felizes, momentos fugazes de tudo que todos carregam nos olhares perdidos juntos ao vidro dos autocarros, embalados no movimento de reluzes... olhares fugidios que assaltam as ruas quase desertas, cheias de corpos para usar. Solidão ambos sentiam, como o gato que regressa depois de uma noite sem caça... e assim foi a primeira vez que os seus corpos falaram mais alto, num ir mudo os ventres foram, tocando-se. Era a verdade, depois da evidência, que viam agora? Silêncio espesso, escorregava no lugar das lágrimas secas, soldadas com sal. Tanto tempo e tudo no mesmo passo?

H - Deixa-me ser teu amante... hoje.

M - Irmos para a cama hoje, não passa de uma mera formalidade.

excerto do diário íntimo de um fauno desconhecido